Primeiro esqueceu o próprio nome. Depois, aonde residia. Esqueceu a idade, na sequência. Não, não era velha, tinha por volta dos 50 anos e não demonstrava qualquer sinal de doença neuro-degenerativa. Esqueceu da família, quem eram os pais. Algum dia tivera irmãos?
Sara não sabia responder. Esquecera o passarinho, tão canoro na área contígua à cozinha. Do nome do porteiro também não se recordava. Mas apesar de tamanha névoa mental, sempre tomava banho e penteava os louros cabelos, ainda fartos e macios.
Não se lembrava mais de comer. Passava dias em jejum, entretanto sempre bebia água. Perambulava às noites na casa escura, pois não se recordava de acender as luzes.
Começou a encolher devagar. Os olhos, de um azul belíssimo ainda se mostravam expressivos. Sara foi embranquecendo, ficando mais leve a cada dia, até sumirem as feições do seu rosto, recostada que estava num dos cantos daquela sala tão vazia.
- Tia Sara, tia Sara, como está? Estou entrando, viu? (Era Laura, sua sobrinha mais nova, que possuía a chave da casa, mas raramente a visitava.) Laura estava fantasiada, muito linda, exibindo diversos tons verdes em seu vestido curto, colado ao belo corpo. Era carnaval.
Dirigiu-se, um tanto apressada, ao quarto de Sara, atrás de algum acessório, para compor a tiara presa aos cabelos. Não encontrou nada, porém.
- Tia Sara, onde você está? Quero lhe dar um beijo, antes de sair! - Nenhuma resposta.
Laura retornou à sala, onde encontrou, maravilhada, num dos cantos do aposento, diversas penas em tons azulados, lindíssimas, semelhantes às penas de um suntuoso pavão.
Recolheu-as e imediatamente as colou na tiara, formando um arco muito delicado e multicor. Algumas delas, curiosamente, apresentavam o desenho de fulgurantes olhos azuis como eram, aliás, os olhos de Sara.
No entanto, nunca mais a viram, nem ouviram falar de Sara.
Também esqueceram de procurá-la, talvez devido à sua personalidade,sempre tão discreta, sutil e silente.
Laura, até hoje, já faz 8 anos desde aquele carnaval, guarda a bela tiara em uma gaveta.
Os olhos azuis, gravados nas penas, ainda resplandecem.
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